A moda é cíclica. As tendências do passado muitas vezes são fontes de inspiração para os estilistas desenvolverem suas coleções. Assim é com a renda, um tecido de luxo criado na Idade Média, usado pelos aristocratas europeus que se popularizou ao longo do tempo. Conheça a história da renda e como voltou nas coleções de grandes marcas de moda.
A história da renda
A origem da renda é contestada por historiadores. A
Itália afirma que tanto a renda de bilro como a renda de agulha foram
inventadas por eles no século XVI mas alguns historiadores defendem que a renda
surgiu antes, no século XV, baseando-se em uma pintura do artista flamengo Hans
Memling datada de 1488-1490 – A Virgem e o Menino – onde aparece retratada a
imagem de um padre usando uma veste com acabamento em renda.
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"A virgem e o Menino" . Via | Hans Memling - 1488-1490. |
Renda de Agulha
De acordo com os italianos a renda de agulha surgiu em
Veneza no séc. XVI. Este tipo de renda exigia um longo e delicado trabalho já
que centenas de pontos eram necessários para reproduzir o desenho desejado. Os
conventos italianos eram os principais produtores da renda de agulha. Com a
difusão do uso da renda, partir dos séculos XVI e XVII cada país desenvolveu
sua própria técnica de produção a exemplo da França, Alemanha, Inglaterra e
Espanha.
Renda de Bilro
A renda de bilro utiliza uma almofada, linha, inúmeros alfinetes e dezenas de bilros, que trançam e torcem os diversos fios que são entrelaçados de acordo com o padrão definido. A data e local da primeira renda de bilro também é alvo de controvérsias, porém é provável que sua origem também seja no século XVI, em Flandres.
Mulheres rendeiras
Desde o início, a produção de renda era associada às mulheres, que eram responsáveis pelo desenvolvimento dos trabalhos manuais. Eram geralmente mulheres comuns que fabricavam em casa ou dentro de uma ordem religiosa. Um trabalho que exigia paciência e delicadeza. O pintor holandês Nicholaes Maes, na obra "The Lacemaker", ("A Rendeira"- 1656), retrata uma mãe em casa, fazendo renda de bilros e cuidando do bebê.
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"A Rendeira". Via | Nicholaes Maes -1656. |
A produção de renda
mais refinada envolvia os talentos e as habilidades de três especialistas
distintos: o artista que criava os desenhos no papel, o modelista que traduzia
os desenhos para o pergaminho e a rendeira que trabalhava diretamente nos
padrões para fazer a renda.
A renda virou moda
No início, a renda era produzida em linho ou seda, e se tornou um dos tecidos mais procurados, tanto por homens quanto por mulheres. Catarina de Médici, natural de Florença, casou em 1533 aos 14 anos com Henrique II da França e teve uma grande influência na difusão da renda Após a morte do rei, tornou-se regente e foi a mulher mais poderosa da Europa no século XVI. Ela levou da Itália rendeiras particulares e assim a renda chegou à França e com sua influência, foi adotada pelos aristocratas que sempre seguiam o que as cortes francesas usavam.
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Catarina de Médici. Via | Franz Pourbus |
Detalhes de renda eram acrescentados aos punhos, golas como pontos de destaque na roupa, que às vezes eram as partes mais caras do traje. Devido ao seu alto custo, até o século XVII, a renda era considerada um símbolo da riqueza, exclusivo das classes abastadas da França, Inglaterra e Itália e Espanha.
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Maria Trip |Via | Rembrandt - 1639. |
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Retrato de Maerten Soolmans- Via | Rembrandt - 1634. |
O interesse pela renda de qualidade com motivos inovadores
incentivou outras regiões a produzirem suas próprias rendas. Os tecidos
costumavam receber o nome das cidades onde eram fabricados, como Punto di
Napoli, Cluny, Chantilly, Honiton ou Veneziano (hoje conhecida como Guipure). A
renda se tornou um produto valorizado e comercializado entre cidades e países
vizinhos.
A moda dos rufos de renda
A moda trouxe também os rufos - grandes golas engomadas em diversos modelos, e a renda foi um dos principais materiais usados depois que surgiram as técnicas de engomar com amido. Com o tecido enrijecido podiam formar pregas em formato de gomos que chegavam até 30 cm de largura. O rufo foi adotado por homens e mulheres aristocráticas que, segundo a história, eram usados para manter o pescoço ereto, dando um ar de altivez.
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Rufo de renda. Via | Juan Pantoja de la Cruz |
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Rufo de renda - Duque de Buckingham |
A vestido de noiva da Rainha Victória
A Rainha Victória foi muito influente na moda em diversos
aspectos. Uma de suas principais influências foi a cor branca usada no seu
vestido de noiva em 1840. O objetivo era exibir a beleza da renda Honiton, como
forma de apoio à produção de Devon, nos detalhes da saia e do xale que usou.
Por não ser tradição o uso de vestido de noiva branco, a Rainha lançou a moda
que também simbolizava riqueza e poder. Tecido branco era difícil de encontrar
e por não haver lavanderias na época, também difícil de lavar.
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Renda no vestido de noiva da Rainha Vitória. |
Chantilly e a renda preta
A renda Chantilly
é um tipo de renda de bilro popularizada na França do século XVIII inicialmente
feitas com fios de seda creme. Da cor do fio da seda surgiu o nome da renda:
"Blonde" (loira). Era uma renda frágil, com fios muito finos que
sustentavam os motivos mais pesados em relevo.
A cidade de Chantilly era muito próxima de Paris e
a renda produzida lá, logo se tornou moda na corte francesa. Luís XIV patrocinou
a fabricação desta renda e, com a chegada da sua rainha espanhola Maria Teresa,
aumentou ainda mais o uso nos trajes reais.
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Maria Teresa da Espanha- Via | Renda Chantilly |
Não se sabe ao certo o motivo que levou a criação da renda preta. As rendeiras de Chantilly conseguiram superar a dificuldade de trabalhar com fios pretos difíceis de ver, mas com suas habilidades criaram o fundo de tule e sobre ele flores e guirlandas em relevo que tornou famosa a renda de Chantilly. Apesar de ser desenvolvida na França, foram os espanhóis que adotaram a moda da renda Chantilly preta.
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Renda Preta . Via | Goya 1805 |
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Duquesa de Alba. Goya 1797 |
A Revolução francesa e o fim do luxo e da renda Chantilly
Durante os reinados de Luís XV e Luís XVI, as
rendas artesanais continuaram na moda até a Revolução Francesa (1793). Com o
fim da monarquia as indústrias do luxo foram destruídas e Chantilly deixou
produzir a renda. Além do mais, muitas rendeiras foram consideradas
monarquistas e condenadas à morte na guilhotina!
Napoleão patrocinou o renascimento da renda
Chantilly feita à mão entre 1804 e 1815, mas a Revolução Industrial lançou a máquina inventada em 1809 por John Heathcoat
que podia fabricar a parte mais demorada da renda, a malha. Em meados do século
XIX, surgiu uma grande variedade de rendas produzidas a partir de uma
combinação de apliques de bilro em rede feita à máquina que aprimoraram a
qualidade pondo fim à produção manual.
No início do século XX ocorre a Belle Époque, movimento artístico que impactou a moda europeia onde o uso de rendas era intenso no vestuário feminino. Após algumas décadas, ela é tida por fora de moda por alguns estilistas famosos e cai em desuso.
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Vestido de renda na Belle Epóque |
Mas a moda é um movimento cíclico e as tendências vão e voltam, e nestas últimas temporadas, as rendas surgem em diversos tons, principalmente as tradicionais brancas e pretas no estilo Chantilly. Vamos dar um giro nas coleções de Dior, Gianbattista Valli, Michael Kors e Valentino nas últimas semanas de moda.
Esta é a história da renda, que nasceu na Idade Média como trabalho manual, exclusiva para os aristocratas que podiam pagar valores tão altos para compor seus trajes, depois se popularizou com a chegada das máquinas criadas na Revolução Industrial e chega até hoje não só como artigo de luxo, mas alcança todos os mercados do luxo ao popular.
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CRÉDITOS
https://fashionhistory.fitnyc.edu/chantilly-lace/
https://www.sfomuseum.org/exhibitions/lace-sumptuous-history
https://www.messynessychic.com/2020/01/14/the-coded-couture-of-antique-lacework/